Seinfeld X Seinfeld
Em um episódio de Seinfeld (Jerry Seinfeld, Larry David, 1989-1998) Jerry é contratado para escrever um roteiro de uma série para televisão. Comentando com George que não tem ideia sobre o que escrever, seu amigo lhe sugere escrever sobre nada. Como Jerry fica sem entender o que ele está lhe propondo, George explica que seria uma série sobre a vida corriqueira e que o dia em que eles ficaram horas esperando por uma mesa num restaurante chinês daria um excelente episódio. E, de fato, esse é um dos melhores episódios de Seinfeld. Os dois, né?
Falar sobre a origem da própria série na série é sensacional. E deixa no ar a linha divisória entre realidade e ficção, sem responder se ela linha é tênue ou encorpada.
Se a ficção é a coisa mais próxima da vida, seria então, Seinfeld real mesmo? Digo, houve um diálogo parecido com esse entre Jerry e George na vida real do Jerry Seinfeld real? As chances são altíssimas, já que os empresários da NBC realmente toparam fazer uma série sobre o nada, que fez o maior sucesso e mudou a história das séries.
Acho que uma das coisas que mais amo em Seinfeld é o personagem vivido por Jerry Seinfeld se chamar Jerry Seinfeld. Mas seria o personagem ele mesmo? Ou seria Larry David, o cocriador da série? Ou Larry David é George Constanza – o personagem de Jason Alexander? E, será que existe/existiu um Kramer[1] na vida deles? Mas Elaine é Julia Louis-Dreyfus, que virou a Old Christine, que virou Selina Meyer, apesar de Jerry continuar sendo Jerry.
Jerry Seinfeld deixa de ser Jerry Seinfeld quando interpreta Jerry Seinfeld ou é ainda mais Jerry Seinfeld quando interpreta Jerry Seinfeld? Quando ele escrevia o roteiro da série, ele pensava que estava interpretando ou estava apenas revivendo a sua vida na frente das câmeras? E quando Tolstói escreveu as crises existenciais de Liévin conseguiu se distanciar de suas próprias crises existenciais? Os questionamentos de Stephen Dedalus sobre o catolicismo são os mesmos de Joyce? E David seria o filho mais amado de Charles Dickens por que ele pariu a si mesmo reconstruindo a sua biografia? Dia desses li que Lygia Fagundes Telles dizia que o escritor escreve porque tenta recompor um mundo perdido. É um ponto.
A gente sabe que o autor não consegue se desvencilhar de si mesmo ao criar suas personagens, mas eles conseguem refazer a sua própria história ao criar ficção? E seria por isso que a ficção se aproxima tanto da vida ou será que é nesse ponto que elas se distanciam?
São perguntas sem respostas. Ou melhor, com múltiplas opções de respostas e nenhuma será certa ou errada, mas eu adoro quando os autores brincam com o cruzamento dessas linhas, fazendo a gente lembrar que aquilo que estamos assistindo ou lendo não trazem quase nada de verdade e, ao mesmo tempo, são a pura verdade. A verdade ficcional, porque, a verdade não ficcional é impossível de ser alcançada.
[1] Se esse existe, eu quero ser amiga.
Tudo sobre o nada bem no dia de hoje 💗
Amo Seinfeld e esse episódio do restaurante!
Curiosa pra saber mais sobre o DC de CD (David do Dickens)