O melhor livro de todos os tempos da última semana
Faz mais de vinte anos que Rob Fleming me apresentou à compulsividade de fazer listas. Melhores discos, melhores primeiras faixas de discos, melhores videoclipes, melhores músicas pop, melhores músicas pop tristes, afinal, escutamos música pop porque somos tristes mesmo.
Se Rob me apresentou a essa compulsão, Ross Geller me ensinou a importância da técnica para montar uma lista. Assim, adotei seu método científico quando, há uns 3 anos, me vi na terrível missão de enumerar meus cinco livros favoritos de todos os tempos da minha existência no planeta Terra.
Pausa: mas como eu, leitora & influenciada por Rob Fleming ainda não havia montado o top 5 de livros da minha vida?
Na verdade, claro que eu já tinha essa lista, mas ela não estava, digamos, plastificada, o que no mundo atual significa postada nas redes sociais, onde a gente fixa lá – ou aqui – um ponto de vista ou uma opinião e nunca mais se livra dela.
A lista que estava apenas na minha cabeça – ou anotada num caderninho guardado no fundo de uma gaveta – tinha, então, o próprio livro do qual Rob Fleming é protagonista-narrador, Alta Fidelidade, de Nick Hornby; O apanhador no campo de centeio, de J. D. Sallinger; A insustentável leveza do ser, de Kundera; O mistério do cinco estrelas, de Marcos Rey... e sei lá, a Carta de Paulo aos Filipenses. Claro que essa lista poderia conter, também, Cem anos de solidão, de Garcia Marquez. Ou, quem sabe, Ria da minha vida antes que eu ria da sua, de Evandro A. Daolio. Também tinha grandes chances de ter um clássico, que nacional, seria Memórias Póstumas de Brás Cubas e, internacional, O Corcunda de Notre Dame.
Mas assim, tinha muitas, quase infinitas possibilidades, dado o fato de eu ser muito condescendente no que se trata de opiniões sobre livros, bem como, ter memória fraca e, do nada, vir um branco e eu só lembrar: O nome da Rosa. Mas, enfim... a lista jamais havia sido exposta publicamente. No máximo, quando alguém me perguntava um livro favorito, eu respondia: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. Brincadeira, eu dizia Orgulho e Preconceito pra ser culta e romântica, mas, lá dentro, na verdade, uma observadora social.
Voltemos então à saga de construir a lista para preencher o tal questionário (na verdade, era só um template – confesso que não faço a menor ideia de como se traduz isso – pra postar no instagram).
Seguindo os conselhos de Ross, comecei categorizando: 1) livro saudosista; 2) livro clássico; 3) livro cabeça; 4) livro tocante particular.
Dentro de cada categoria, enumerar as possibilidades:
1. Tinha que ser um livro que remetesse à infância ou adolescência, talvez uma fantasia. Opções: Peter Pan, As crônicas de Nárnia, Um cadáver ouve rádio, A droga da obediência e, claro, Harry Potter. Citar Harry Potter já se mostrava complicado porque teria que escolher um entre os sete e, confesso, não sei bem se O cálice de fogo é melhor que A ordem da Fênix. Comecei mal.
2. O clássico tinha que ter sido lido há muitos anos, porque queria me dar o direito de colocar um livro que tivesse sido difícil de ler na época, mas que, mesmo assim, mostrasse o tanto que com 16 anos eu era sabida gênia e essas coisas tolas que toda pessoa de meia idade guarda como recordação de sua adolescência nerd. Havia poucas opções. Sim, eu poderia confessar que, mesmo culta, eu sempre fui romântica, escolhendo um Jane Austen. Ou que valorizo o produto nacional, citando, por óbvio, um Machadão. Ou, que a Cultura Inglesa havia deixado a sua marca em mim, com um Dickens. E tinha a opção de citar A metamorfose, afinal, sempre fui meio esquisita. E tinha também o compilado de diálogos cheios de aforismos e provocações de Lord Harry e Dorian Gray, com grandes chances de vencer nessa categoria.
3. O livro cabeça era aquele marco transformador na minha vida de leitora, seja pela extensão ou pelo conteúdo filosófico/político, mas, principalmente, por eu ter tido a sensação de venci na vida ao terminar de lê-lo. E eram três os candidatos: Guerra e Paz, de Tolstói; A montanha mágica, de Thomas Mann; Vida e Destino, de Vassili Grossman.
4. O livro tocante tinha que ser bem particular. Com algum trecho marcante e/ou que tenha me deixado absurdamente hipnotizada e influenciada. Só havia duas opções: De amor e trevas, de Amós Oz e Origem, de Thomas Bernhard.
5. Não consegui criar uma quinta categoria, então, uma das opções que não fosse eleita nas categorias anteriores, conseguiria um espaço próprio para si.
Lá vai a cabeça ferver por dias pra resolver isso. Porque tinhas escolhas meio lógicas, ou seja, fora da categorização, mas que já eram donas do meu coração como toda a força de uma paixão: David Copperfield, Os meninos da rua Paulo, O capote, Música ao longe, Ensaio sobre a cegueira (ou O evangelho segundo Jesus Cristo ou A caverna ou Ensaio sobre a lucidez ou qualquer um de José Saramago), As meninas.... E tinha aqueles, meu Deus, como esquecer? Grande Sertão: Veredas? Deixar O som e a fúria de fora parecia uma afronta. E o que fazer: Um retrato do artista quando jovem ou A redoma de vidro? Reparação ou Os vestígios do dia?E como esquecer Stoner? E, por que não, incluir o próprio Alta Fidelidade?
Juro, não foi fácil, mas eu tinha que responder àquele template ou seria consumida por loopings de pensamentos que acabariam numa lista composta pelos últimos cinco livros que eu havia lido ou, sei lá, Os Miseráveis ocupando as cinco posições da lista.
Por fim, consegui escolher e, mais, enumerar em ordem:
- 5º: Os sete Harry Potter – decidi que a série vale por um só;
- 4º: O retrato de Dorian Gray;
- 3º De amor e trevas;
- 2º Origem;
- 1º A montanha mágica.
E, assim postada, a lista se tornava definitiva.
Mas eu segui lendo. E descobrindo novos livros. E descobrindo novos autores. E descobrindo livros de autores já bem conhecidos meus. E relendo livros indiscutivelmente excelentes. E muitos desses precisavam entrar pros preferidos.
Mas não dá pra retirar a posição de quem, a duras penas, galgou seu lugar nesse rol inquestionável. A solução pode ser expandir a lista para dez favoritos de todos os tempos. Mas, o primeiro lugar não pode ser tocado. Fui eu quem escolhi. Como eu posso mudar o meu livro favorito de todos os tempos? Mas, quem sabe eu possa acrescentar outro nesse cobiçado lugar? É possível dividir esse troféu? Se for, desculpa a todos que decepcionei, mas preciso fazer essa retificação. Também tenho que pedir perdão a Thomas Mann, mesmo que ele não faça a menor ideia de que seu livro continua sendo lido no Brasil em pleno século XXI. E aí, com mil escusas, John Steinbeck passa a dividir a cobertura do meu coração com ele: As vinhas da ira vai lá pro primeiríssimo lugar, ainda que compartilhado.
Daí chegou 2023. Daí eu encarei mais um Dostoiévski, que se você estiver atento, percebeu que não havia aparecido nesse texto. Afinal, é de conhecimento geral que eu sofri demais lendo Crime e Castigo pra ousar citá-lo por aqui. E, só se eu quisesse assinar o meu atestado de louca, O idiota apareceria nesse escrito. Mas, desculpa, Hans Castorp. Desculpa ,Tom Joad. Desculpa, menino Reury, menino Amós e querido Bernhard. Sorry, Dorian... Mas, desde a semana passada, meu coração é de Alieksiêi Fiódorovitch Karamázov.
Lista de livros favoritos de Marisinha:
Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski.
***
p.s.: todos os livros citados nesse texto, incluindo Crime Castigo e O idiota, já foram, de alguma forma ou em algum momento, meu livro favorito de todos os tempos e, na minha vida, muitos e muitos mais ainda serão.
o critério saudosista é pra dar aquele quentinho no coração 🩷
e Robinson Crusoé merece mesmo.
Amei demais esse texto! 💖
Odeio listas de melhores por todo esse sofrimento. Não consigo escolher, não consigo achar justo, não consigo, não gosto, não quero. 🤣