Jogou-se na cama. Apoiou a cabeça sobre um travesseiro fofo. A TV desligada lhe observava. Num canto do quarto, uma estante cheia de livros. Alguns ainda no plástico.
Pegou o celular.
Whatsapp. Threads. Bluesky. Twitter fora do ar. Substack. Instagram.
Rolou o feed. Infinitas maneiras de se matar o tédio.Infinitas maneiras de se manter no tédio.
Como é mesmo aquela música?
Lá fora a vida passa.
Lá fora tá todo mundo tentando mil maneiras de matar o tédio.
Dancinhas no TikTok. Fotos na praia. Selfies nas festas.
Infinitas maneiras de se manter no tédio.
Lá fora a vida passa.
O tédio tem rondado muito meus pensamentos. Olhando ao redor em um transporte coletivo, é evidente nos depararmos com 90% das pessoas olhando pras telas de seus celulares. Uns 2% lendo alguma coisa em papel - que pode ser um panfleto ou um livro.
Se a gente pensar um pouquinho, a vida nada mais é que uma sucessão de coisas que a gente faz pra aplacar o tédio. E com a constante sensação de que, ao nosso redor, estão acontecendo coisas magníficas e as pessoas estão vivendo momentos sublimes. Mentira. Está todo mundo só aplacando o tédio. Nem que seja trabalhando, se exercitando ou buscando paz espiritual.
Em Resista: não faça nada, Jenny Odell conta do experimento de uma mulher que ia a um refeitório de uma empresa e ficava lá, simplesmente sentada olhando as pessoas ao redor comendo sozinhas ou acompanhadas. Quem frequentava o refeitório achou estranhíssimo. Até denunciaram a mulher.
Sentar pra se alimentar sozinha num restaurante - ou em casa mesmo - é um convite inerente a arrumar alguma coisa pra fazer: mexer no celular, a mais fácil; ligar a TV, a que ficou no passado; ler um livro, a mais interessante. Afinal,é estranho uma pessoa que simplesmente senta e come olhando o ambiente ao redor. Se não é estranho, é um tédio.
Mas, se a gente parar pra pensar mais um pouquinho, ler um livro é um tédio pra muita gente. Ver episódios sequenciados de uma série, é um tédio pra outras. Ficar fuçando o celular, é extremamente entendiante para mim. E até ir a uma festa pode ser bem entediante pra muita gente. Porque é isso… viver é um tédio. E alimentar o tédio ou aplacar é uma escolha. Escolher a forma de aplacar o tédio é pessoal e intransferível: cada um faz do seu jeito.
O problema com o tédio é que ele provoca pensamentos. Imagina ficar sentada olhando os caroços de feijão e arroz enquanto come sozinha? Que tipo de pensamentos isso pode provocar? A que espaços mentais isso pode levar? Imagina o perigo?
Eu peguei o livro Descansar é resistir, de Tricia Hersey esses dias. Não passei da introdução e não tem problema, porque captei algumas ideias. E dentre essas ideias, veio a de que alimentar o tédio também é um ato de resistência - com certeza gente muito mais inteligente que eu já pensou isso. E gente bem perigosa também.
O não fazer nada pode ser ativo, que é o que essas pensadoras nos propõem. Mas e se for inativo? E se a gente simplesmente se deixar levar pelas horas nuas e nos fazermos viajar em pensamentos entediantes? O capitalismo é tão sujo que diz que mente vazia é oficina do diabo (ainda trabalha a ideia da eterna produtividade colocando um elemento religioso no meio, mas isso é outra história).
Mas, se a gente pensar só mais um pouquinho: é mesmo? Olha, se fosse, não existiria, pelo menos, a filosofia. A literatura também não. Ou será que Platão teria formulado O banquete se estivesse ocupado o tempo todo aplacando o tédio na antiguidade grega? E será que Machado de Assis teria escrito seus contos se não ficasse divagando no nada nas tardes quentes cariocas no final do século passado observando o ir e vir dos indivíduos?
Ou será que é esse o perigo? Nem precisamos pensar um pouquinho pra responder.
De todo modo, a gente não pensa mais.
Mas aí eu volto pra provocação do fazer nada inativo. Ao invés de nos orientarmos ao fazer nada, tipo: nesse momento vou observar pássaros (que é o que Jenny Odell faz) ou vou meditar 10 minutos para aliviar a ansiedade dos pensamentos, a gente aproveitasse quando quaisquer minutos de fazer nada nos são “oferecidos”, como: no transporte coletivo, na sala de espera, na fila, no meio da tarde quando a cabeça explode e não conseguimos terminar uma atividade do emprego?
Pergunto de novo: a que espaços essas horas nuas podem nos levar? Podem ser espaços terríveis, eu sei - viver no planeta Terra em 2024 é bem deprimente. Mas podem ser espaços de esperança e, principalmente, de criatividade.
A gente não tem que estar o tempo todo fazendo alguma coisa. A gente não precisa destinar um tempo para fazer nada. A gente só tem que não fazer.
Ouvir uma porta que range. Observar uma sombra que se projeta no meio da sala. Se encantar com uma pluminha que é levada pelo vento sem destino.
Fiquei aqui pensando,... volto mais tarde para comentar mais, ...
Adorei!